A natureza quer falar - O parque e o rio
Num mundo paralelo qualquer, onde parques e rios poderiam se comunicar, o rio começa a falar sobre sua angustia sempre quando deixa o território do parque.
Uma pequena porção de floresta protege um límpido manancial que escolheu aquele local para nascer. Após a chegada dos homens, apenas essa porção de floresta foi protegida e passou a se chamar parque. O parque está menos sujeito a ação destrutiva do homem, porém o lado de fora é sombrio.
Rio – Parque, por que você não me acompanha durante todo meu trajeto até eu cair num outro rio mais a frente? Você pode até se juntar a outro parque que esteja seguindo esse rio.
Parque – Não sou eu quem decide meu caro amigo, os homens é que decidem o que deve e o que não deve ser protegido, no meu caso me restou apenas esse pedaço de terra com essas árvores como você pode ver. Virei uma ilha, olhando para fora estamos cercados por construções tipicamente humanas por todos os lados.
Rio – Sim eu sei, a partir do momento que deixo você, parque, já passo por uma construção a qual chamam de ponte, ali é o marco para o inicio de uma série de agressões contra mim. Mal inicio minha jornada e já não tenho mais nenhuma árvore ao meu redor, retiraram todas, me sinto desprotegido, como se estivesse nu. E quando não tem árvore faz um calor imenso.
Parque – Então quer dizer que você não vê mais nenhuma árvore durante o seu percurso todo?
Rio – Na verdade até vejo, mas são tão poucas, geralmente são bambuzais, mangueiras, mas na maior parte do tempo só vejo capim e hortaliças. O que mais vejo mesmo são casas, de todos os tipos, desde as mais simples até as grandes. Sinto-me sem ter para onde ir espremido numa vala.
Parque – Mas o que mais fazem com você durante todo o seu trajeto?
Rio – Além do calor que passo a sentir, existem uns canos que jorram uma água com um cheiro ruim, me dá falta de ar, começo a me sentir mal, meio doente, tento respirar um pouco mas logo a frente vem outro e mais outro, minhas águas transparentes começam a ter um tom mais acinzentado, a vida que me acompanha desde minha nascente começa a dispersar ou a morrer. Não fico mais atrativo, na verdade fico feio, ninguém me olha, me tratam com completo descaso, como se eu fosse um indigente. Viro um amontoado de lixo, entulho e doenças, percebo que quem passa perto de mim chega a tapar seus narizes. Aqui dentro é o contrário, me sinto tão bem, minhas águas estão limpas, cheias de vida, respiro confortavelmente.
Parque – Nossa, como os humanos fazem isso com você, eles não precisam de sua água para viver?
Rio – Sim, precisam, mas muitas vezes eles aproveitam de nossas águas enquanto somos limpos, captam ela num ponto, tratam e a distribuem, depois transformam-nas em um meio de transporte de lixo. Acho isso tão estranho, porque não mantém nossa água limpa até nos perder de vista? Não sei como ainda conseguem viver sujando um bem tão precioso.
Parque – Vai ver eles acham que a água boa pra beber é infinita.
Rio – Só pode ser viu, é difícil de se explicar.
Rio – Estranho também eles trocarem as árvores por lixo ou resto de construções. A gente fornece um meio para que eles se livrem daquilo que não é agradável aos olhos ou narizes deles. A água mal cheirosa a qual eles chamam de esgoto traz doenças, quando eles jogam em mim eu levo embora, dai eles se mantém bem distantes de mim, não brincam mais comigo, não matam mais a sede com minha água, me sinto tão triste, tão infeliz.
Parque – Meu amigo, bem que teria um jeito pra que eu te acompanhasse, um dia eu estava aqui e ouvi falar de um tal de parque linear, que vai acompanhando as águas do rio por toda sua extensão, tenho certeza que pelo menos as árvores te acompanhariam e você não se sentiria mais acuado por tanta casa ao seu redor.
Rio – Que ótimo! Mas é para agora?
Parque – Se depender da boa vontade do governante dos humanos acho que não é para agora não, senti que a pessoa que conversava estava meio desanimada, como se aquelas palavras que ela pronunciava não passassem apenas de um sonho.
Rio – Nossa, eu já estava ficando aqui todo feliz, já acreditando estar recebendo a melhor noticia da minha existência, desde que fomos invadidos.
Parque – Mas não podemos perder as esperanças, eu de ficar maior e você de se tornar mais limpo e protegido. Sei que existem pessoas boas que torcem para que melhoremos, basta apenas uma sensibilização maior com consequente cobrança por resultados, aguarde e confie as coisas vão melhorar.
Rio – Espero viu, eu era feliz e não sabia. É muito ruim ser desprestigiado. Não ter ninguém para me admirar nem para ver minha vida, peixes, tartarugas, aves. Quero voltar a viver também fora de seus domínios.
Parque – Você vai viver!
Ernesto Augustus